sábado, julho 11, 2009

As coisas que deixamos

Como te expões assim, vida que procuras emergir depois de outra?
Porque procuras dar a outra ainda nesta? Uma não te chega ou tens várias numa?
Vida que te dás a outras. Transparentemente!
Assim passaram os anos sem que parecesse termos passado por eles.
Agora, na juventude, continuamos mas ela não passa por nós.
E deixamos.
Deixamos coisas e gente e outras elas nos deixam a nós.
Até os sempre vivos um dia deixam de o ser.
Até aqueles por quem uma vida imaginamos e nunca a tivemos.
E assim continuamos a nossa vida a tentar caber dentro de outras.
Até ao dia em que a nossa própria e única não caberá nela mesma.

sábado, abril 18, 2009

Pequena voz

Sou uma voz nesta imensidão. Sou a voz que sou, pequena e inexacta mas não modesta para não se querer ouvir. Sou apenas a voz dentro de outra que procura sair dentro da mesma no meio de um mar de outras. Ondulo entre essas com as minhas no mesmo meio mas umas são mais vozes que outras. Terão um maior querer ou quem fala por elas é maior do que quem fala pelas outras? Ou terão quem as ouve um designo? São apenas almas exprimindo-se só que umas pelo sentimento outras pelo clamor ou impulsão. Cabe portanto a quem escuta, ouvir queixando-se ou pressentindo.

Leve, de muito leve dormirei?

Leve passei por hoje e este hoje foi. Foi apenas por ser simples. E simples devia ser sempre. Leve passei por tantos outros, sem nada mais, mas este foi. E ser é diferente de nada. É ser o que simplesmente se é e não simplesmente o que podemos. De leve fui o que sempre fui e deixei de ter. Leve, de muito leve dormirei hoje, ou simplesmente acordarei? Despertarei amanhã para um como o de hoje ou apenas em vão? Não há amanhã hoje igual a hoje porque hoje é agora e agora apenas existe hoje. Existe apenas outro e depois outro e esse outro nunca é como o de hoje. Leve, de muito leve dormirei hoje, ou simplesmente acordarei?

Uma sexta sem fim



Ser alguém a uma sexta, igual a muitas outras, é como uma aparição de uma alma do outro mundo. Vislumbro um mundo que outrora foi o meu conquistado por tantos outros e eu, do outro, apareço. Há dias a uma sexta-feira diferentes de todos os outros. Tantas e tantas outras apenas o neutro, e heis que uma, a mais longa de todas, me ergue do mundo dos extintos. Estranho doutores de amor, universos nunca sonhados, vidas que nunca a própria vida cuidou e olhares cujo olhar uma existência toma, exorcizam-me de volta à minha esfera armilar. Esse dia, a uma sexta, fica apenas para lembrar que vida passa e que os primeiros passam a segundos e os segundos a primeiros. E principalmente tudo é próximo quando somos próximos do que somos - apenas um ser deste transformado num de outro. E só dormirei, depois de tantas sextas numa só.

domingo, dezembro 21, 2008

...



Quem nunca uma substancia experimentou e a um patamar o elevou sem um simples e intencional querer? Absorvendo tudo como se apenas um instante fosse? Ou vários num? Antecipando o acaso que num momento anterior foi apenas outro igual a tantas outras possibilidades? Quem nunca num instante, uma vida se tornou em várias? Revendo-nos em todos perderemos-nos e dele nada seremos, senão apenas nós próprios, mais velhos, espertos e sós? Uma noite ou dia abandonado por um e outro e ainda outro, e nós, apenas nós, cheio de querer permanecemos? Ahhh noites intermináveis! Que numa vivemos várias e mais velhos ficamos, espertos e cientes, enquanto que outros apenas foram aquele serão! Serei apenas um ou um de vários? Onde estais então que me fazeis aqui confessar, escrevendo até essa substancia não me poder mais interrogar?

quinta-feira, dezembro 18, 2008

O desprendimento



Mas que raio tem o homem de pensar que é diferente de todos os outros bichos? No que toca à natureza somos todos iguais. E quando não sabemos viver em sintonia com a natureza e a vida não sorri, a desilusão. Há momentos em que apenas devemos ser. Tal como uma planta ou uma flor, apenas é, e ali está. ! Ao sabor do acaso, e se não chove, apenas não chove e murchará, mas foi. Um animal apenas existe e um dia acaba na boca de um maior predador. Mas que fim inglório. Mas foi. É assim o universo e a natureza e por muito que lutemos apenas seremos breves instantes. A barreira do desprendimento é a sintonia da natureza e o que aqui fazemos é apenas sermos. Se não somos, nada seremos e o nada, nada te dará.

Toca a viver!

O defeito

Talvez o maior defeito da humanidade seja confundir aquilo que vê, pensa e lê com o que sente e dar como adquirido esse sentimento como verdade final e imaculada esquecendo que não existe apenas uma verdade mais várias verdades.

domingo, fevereiro 10, 2008

...

Só sei que nada sei mas as vezes sei que sei muito mais do que penso que sei.
Sei também que vou ter saudades do que ainda não sinto, e sei que também que não vou ter saudades de algumas coisas que sinto.
Vive um dia de cada vez, e se amanha for o último, que seja.
Seja o que for, e o que tem de ser é, e é mais forte.

quinta-feira, janeiro 24, 2008

Dois mundos trocam olhares numa linha do metro do porto

I
Há quem não acredite em amor á primeira vista. Há quem não acredite numa atracção à primeira. Hank também não. A ideia de sentir uma entrega após um olhar ou um primeiro contacto seria impossível para ele. Já sentira aquela vontade estática que a beleza contemplativa lhe provocara, e também já fora provocado pela loucura da beleza de acções que o moveu em direcção a essa euritmia. Mas nunca concebeu algures na sua mente que essa entrega podesse ser a de um amor ou paixão fatal de uma vez e num momento só. Nesse dia, outro como o mais normalíssimo de todos eles, após o seu trabalho deslocava-se para mais um final comum - cairia nos braços de uma ou de outra, ou apenas iria se manter as voltas com um qualquer entretenimento superfluo onde a imposição rotineira do dia seguinte o empurraria para a sua cama, só. Nem um convívio de um simples preparativo de aniversário que se avizinhava, naquele dia, o motivava a deixar-se ir. Esperava uma vez mais por essa toupeira mecânica e urbana que o levaria a casa uma vez mais, a mesma que o traria no dia seguinte. No preciso momento em que a porta ia ficando estática à sua frente, algo, do lado de dentro chamara a sua melhor atenção. Uns olhos verdes seguiam fixos Hank à medida que a porta da toupeira se fixava quase na sua frente. Entrou, e sem hesitar sentou-se mesmo ao lado desses olhos mas do lado oposto do corredor, embora o lugar a sua frente estivesse vago. Poderia parecer uma opção cobarde - não enfrentar aqueles maravilhosos traços faciais finalizados por uns rasgados e verdes argos - mas revelar-se-ia a razão da acção que a sua beleza nele despertaria. Como se movidos por uma força invisível, ambos fariam o preciso movimento para os seus olhares se cruzarem. Não fosse a posição em que ambos se encontravam lado a lado e separados por um meio metro, seria um momento cliché. Um olhar pode revelar muito, mas um movimento de noventa graus que é necessário fazer em direcção um do outro, para que uma tímida mas sintonizada e simples troca de olhares se concretizasse, era algo mais. E repetiram-se várias vezes. Primeiro sintonizadas, depois alternadas, observando-se mutuamente. Hank não conseguira encontrar nela um único defeito, quer na sua forma física quer na sua elegante e feminina veste dominada pelo negro desde os seus pés, pernas, cintura, mãos e tronco, terminando num a loirado e bem cuidado cabelo. E repetiam-se alternadamente, quando liberta uma das suas mãos de uma luva de pele com uma corrente em forma de pulseira para facilmente encontrar dentro da sua também elegantíssima carteira uma pequena bolsa, libertando por sua vez um telemóvel dentro dela. Nessas transições pode observar outro cuidado: uma cor de sangue coagulado pintavam as suas unhas e condiziam em harmonia com as suas pálidas mãos. O que mais impressionara Hank nestas suas inconscientes observações não eram estes pormenores por si só, mas sim estes pormenores misturados com a simplicidade das suas escolhas - dos seus objectos pessoais e da sua indumentária, de certo, escolhidos com detalhe, porém conjugados harmoniosamente a formar uma singeleza artística. Hank sentia fortemente que algo de semelhante se estaria a passar com ela em relação a ele. Era algo inexplicável que só se sente. Sentia que também estava a ser observado e sentia a atracção como se fossem dois elementos químicos a persuadirem-se para formar algo mais completo.
II
A toupeira movia-se e parava e ia enchendo e Hank perdera temporariamente a sua visão. Uma senhora idosa carregada e recém chegada pedia um cavalheirismo de um assento, mas Hank, mais preocupado com um vulto que o punha de fora do campo de visão da sua atenção, nem se quer se apercebeu de tal necessidade. Começara a sentir-se apreensivo não só pela limitação do seu campo de visão mas pela urgência de mudar o estado de completo estranho perante aquela beldade para algo mais próximo. A ideia de ficar por ali e sair no seu habitual destino e nunca mais a ver, ainda o inquietava mais. Mas o que o transtornava na sua aparente calma, era não tomar qualquer atitude no sentido da sua vontade e o ambiente hostil para tais situações em que se encontravam constrangia-o profundamente. Novamente o espaço entre eles ficou desimpedido e novamente os dois voltaram-se a encontrar. Num segundo ela hesita em levantar-se e Hank, atentíssimo, estranha o movimento súbito. No segundo seguinte levanta-se oferecendo o lugar à senhora carregada. Não foi por premeditação pois não tivera sequer tempo para conjurar. Fora o seu elevado grau de concentração em torno da desconhecida que no outro segundo se oferecera a dar o seu lugar à senhora carregada. No instante seguinte encontra-se de pé agarrado ao varão das cadeiras que os passageiros usam para se agarrarem e suster as sacudidelas da toupeira em movimento, ligeiramente atrás da sua razão de ser daquele momento. Ficou sem a posição privilegiada para as suas observações mas estava consciente que tinha aberto a primeira e mais difícil porta no sentido que pretendia mas, ao mesmo tempo, Hank, era inconscientemente comandado pelo fascínio de tamanha beleza. Cada instante que passava era como se fosse um instante do próprio instante. "Peço desculpa, não estava atento", atira Hank, flectindo as suas pernas para se abaixar ligeiramente e num tom de voz baixo para não chamar a atenção das dezenas de pessoas que os circundavam, referindo-se ao facto de ela se ter oferecido para ceder o lugar e não ele. Ela, sentada e não tendo Hank dentro do seu campo de visão procura oferecer um sorriso. As mãos de Hank seguravam naquele momento o varão e um telemóvel que serviria de pretexto ao próximo passo. "Queres trocar?" ao que ela responde num retundo NÂO sem fugir à simpatia da sua própria imagem. Por momentos algo de animalesco invadiu o corpo de Hank perante tal rejeição. Não no sentido violento mas no sentido natural como se um comportamento básico animal se tratasse. Era ao mesmo tempo muito mais consciente que há minutos atrás. Resolveu fazer nova investida da mesma forma que o fizera anteriormente, discretamente. "Trocar de lugar?" pergunta. Hank percebeu que fora discreto demais. "Trocar de telemóvel" respondeu friamente. Neste intervalo de tempo Hank já estava novamente fora dele dominado por uma vontade não própria nos instantes em que ela hesitava responder dizendo por fim que era pessoal. Outro não. O seu destino espreitava cada vez mais próximo à medida que a toupeira se deslocava com mais velocidade naquele troço da sua via. Os olhares alheios davam a entender que já tinham percebido todo o plano dos dois estranhos. O fim daquela acção movida pela beleza daquela desconhecida parecia já inevitável quando uma última e derradeira tentativa saiu da boca de Hank "E se eu te der o meu?". A uma repetição sucedeu outra. Primeiro hesitou como na pergunta anterior mas depois resolveu libertar a sua elegante mão da sua luva e procurou novamente o seu telemóvel. Registou o numero de Hank que lho ditava muito baixo sob os olhares atentos das pessoas mais próximas daquele espaço. O destino da sua viagem tinha sido precisamente ultrapassado quando proferiu o seu nome a registar no aparelho da desconhecida: Hank Metro. Finalmente um pouco dela se abriu e esse pouco tinha sido suficiente após tamanho constrangimento. Era como se durante todo aquele tempo Hank estivesse nu sem saber porquê, como que se um de sonâmbulo se tratasse e, de repente tivesse sido acordado, podendo finalmente vestir a sua roupa. Porém não se tratava de um alívio provocado por uma aflição mas antes por uma luz que vem iluminar um caminho desconhecido proporcionando a pelo menos um dos dois a opção de exercer a vontade de se reencontrarem. Hank saiu na paragem seguinte à que normalmente sai, confiante. Aliás nunca nunca o deixou de estar. Entendia que o acabara de acontecer como uma situação natural fazendo parte de uma sucessão de acontecimentos positivos na sua vida e a forma como ultimamente sentia atrair os corações femininos. A desconhecida, afinal já não o era, seu nome, Beth.
III
Há medida que caminhava em direcção a sua casa sob um enorme e luminoso luar, não conseguia deixar de pensar na sucessão de acontecimentos e na bela Beth. O tempo passava e sentia-se cada vez mais ansioso. Esperava uma mensagem ou um contacto da agora menos desconhecida. Resolveu contraria a sua decisão indo ao aniversário que tinha naquela noite entendendo que seria uma forma de quebrar essa ansiedade. Não encarava as caras bonitas naquela noite da mesma forma se aquela desconhecida não lhe tivesse aparecido pela frente. Nem outra novidade naquele aniversário o demoveu do seu pensamento, sempre esperando a qualquer momento poder sair para atender a chamada por que tanto ansiava. A noite passou e quando mais só estava mais pensava em Beth. Na hora de mudar de dia, deitado, percebeu imediatamente que iria ser uma noite mal dormida e vislumbrou uma falha no seu comportamento durante as suas dissertações mentais. E sucediam-se todos os destinos cientificamente prováveis em forma de caos. Mas apenas uma coisa era recorrente nesses destinos e enredos: não compreendia por que razão não lhe tinha pedido , num último passo, a ligação entre o seu móvel e o dela. Uma simples sequência numérica faria toda a diferença.
Percebeu porém que essa não era verdadeiramente a sua falha, mas nunca ter percebido, naquele momento, que isso lhe fosse fazer tanta falta, e principalmente por nunca ter acreditado que o que sentia fosse possível. E num pensamento recordando a sua mão pálida libertando-se da pele da elegante luva viu apenas a direita. A outra sempre esteve presa e escondida e assim vai continuar...para Hank.

domingo, dezembro 30, 2007

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Dias sucedem dias de tédio alternando euforia mas hoje é vazio. Percorro as ruas da minha cidade vazias e húmidas, característica autóctone. São os preparativos para o ano novo e no dia de ano novo vazias continuarão onde todos se esconderão num recôndito e acolhedor lugar partilhando entre uns aquilo que procuro. E danço como se embriagado estivesse, nesse muco húmido da minha cidade e sem o estar a minha visão diminui pela ténue névoa que nos assoma. Procuro o calor no sentido contrário de um braço feminino, recusado minutos atrás por tantas vezes ter aceitado um qualquer sem sentido. Procuro na direcção de dias de euforias mas continuo misturado, não embriagado, com o meu vazio e o da minha cidade. As euforias de dias atrás, fazem destes, ridículos e ébrios. E repetem-se, vazios entre meses e anos escondidos em intermináveis devaneios. Encontro-me assombrado na minha cidade por dias e ruas distantes de harmonia. Conheço-as bem essas ruas, mas hoje, dia vazio e triste de véspera de ano novo, uma, a de sentido dos sentidos encontra-se preenchida atirando-me para este ermo onde me encontro.